Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 25(2) - Junho 2025

Editorial

Febre de origem obscura na pediatria: unindo tradição clínica e inovação diagnóstica

 

Patricia Fernandes Barreto M. Costa

 

DOI:10.31365/issn.2595-1769.v25i2p53-54

Vice-Presidente da SOPERJ

 

 

O artigo "Descrição epidemiológica de pacientes com febre de origem obscura em hospital pediátrico do Brasil", de Guimarães e Carvalho, publicado nesta edição da Revista de Pediatria SOPERJ, oferece uma contribuição relevante ao retratar os desafios reais enfrentados na investigação de quadros prolongados de febre sem causa definida em crianças. No estudo, mais da metade dos pacientes (52,4%) permaneceu sem diagnóstico ao final da internação, apesar de avaliação em centro terciário com recursos laboratoriais e de imagem.

A febre de origem obscura (FOO) permanece como um dos enigmas clínicos mais intrigantes da pediatria. Definida classicamente como febre ≥ 38°C com duração de pelo menos oito dias e sem etiologia aparente após investigação inicial, essa condição desafia profissionais mesmo em contextos hospitalares bem estruturados. A revisão sistemática de Chow e Robinson (2011) já indicava que até 20-25% dos casos pediátricos permanecem sem diagnóstico definitivo após avaliação extensa, com predominância de etiologias infecciosas, reumatológicas e neoplásicas.1

Estudos mais recentes, como o de Yu et al. (2025), apontam que o uso de FDG-PET/CT vem crescendo na abordagem de FOO, com impacto real na elucidação diagnóstica. Nesse estudo, o exame contribuiu diretamente para o diagnóstico em cerca de 48% dos casos, com sensibilidade de 79,5% e especificidade de 61,1%.2 Apesar do avanço tecnológico, o cenário brasileiro ainda enfrenta barreiras de acesso a esses recursos, o que torna ainda mais relevante a organização de protocolos clínicos sistematizados e adaptados à realidade local.

O trabalho de Guimarães e Carvalho evidencia que, além da escassez de protocolos específicos, há grande variabilidade na condução dos casos. A solicitação excessiva de exames sorológicos, com baixa taxa de positividade (<2%), e a ausência de instrumentos clínicos básicos, como a curva térmica, indicam uma fragilidade no raciocínio clínico orientado. Essa observação dialoga com o consenso da European Association of Nuclear Medicine (EANM), publicado em 2024, que reforça a importância da avaliação clínica estruturada antes da indicação de exames de alta complexidade.3

Outro ponto de destaque é a perda de seguimento após a alta hospitalar, observada em parte dos pacientes sem diagnóstico no estudo. Revisões recentes mostram que aproximadamente 20-30% dos casos inicialmente não diagnosticados podem ter sua etiologia esclarecida durante o seguimento ambulatorial.4 Isso reforça a importância do vínculo com a família, da continuidade do cuidado e da vigilância clínica ao longo do tempo.

A literatura mais atual recomenda fluxos de investigação escalonados, com etapas bem definidas: avaliação clínica cuidadosa, exames laboratoriais de primeira linha e, diante de investigação inconclusiva, indicação criteriosa de métodos avançados, como a tomografia por emissão de pósitrons (FDG-PET/CT).4,5 O estudo de Pijl et al. (2024), que avaliou 110 crianças com FOO, relatou taxa de alteração relevante em 86% dos exames e contribuição direta para o diagnóstico em 48% dos casos.5

Diante disso, os achados do estudo em pauta apontam para a necessidade de ações institucionais: criação de protocolos assistenciais, capacitação de equipes para a abordagem racional da FOO e desenvolvimento de redes de referência para casos complexos. Tais medidas podem não apenas aumentar a taxa de elucidação diagnóstica, mas também reduzir custos, tempo de internação e sofrimento das famílias.

Em tempos de medicina tecnológica, é fundamental lembrar que a clínica permanece insubstituível. A febre prolongada, quando abordada com método, escuta ativa e reavaliação constante, pode deixar de ser um obstáculo e se tornar uma oportunidade de aprofundar vínculos, refinar o raciocínio diagnóstico e reafirmar o compromisso com uma medicina centrada na criança e sua família.

 

REFERÊNCIAS

1. Chow A, Robinson JL. Fever of unknown origin in children: a systematic review. World J Pediatr. 2011;7(1):5-10.

2. Yu X, Liu Y, Zhou X, et al. Diagnostic efficacy of 18F-FDG PET/CT in fever of unknown origin: A cohort study. Front Med (Lausanne). 2025;11:1511710.

3. Hess S, Noriega-Álvarez E, Leccisotti L, Treglia G, Albano D, Roivainen A, Glaudemans AWJM, Gheysens O. EANM consensus document on the use of [18F]FDG PET/CT in fever and inflammation of unknown origin. Eur J Nucl Med Mol Imaging. 2024 Jul;51(9):2597-2613. doi: 10.1007/s00259-024-06732-8.

4. Graaf P, Boerman O, Claessens Y. Clinical and imaging approach in pediatric FUO: when and how to escalate. Pediatr Radiol. 2023;53(12):2155-64.

5. Pijl JP, Glaudemans AWJM, van Rheenen PF, et al. FDG-PET/CT in 110 children with fever of unknown origin: diagnostic yield and clinical utility. Eur J Nucl Med Mol Imaging. 2024;51(8):2744-55.