Revista de Pediatria SOPERJ

ISSN 1676-1014 | e-ISSN 2595-1769

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Número atual: 13(1) - Maio 2012

Artigos de Revisao

A importância da pediatria na percepção dos transtornos mentais na infância e adolescência

The importance of pediatrics at the perception of mental disorders in childhood and adolescence

 

Tathiana tavares Menezes1; Victor Junger de Mello2; Sandra Impagliazzo3

1. Graduaçao - Estudante de medicina.
2. Graduaçao - estudante de medicina.
3. Graduaçao em Psicologia Mestrado Doutorado - Professora da Unigranrio.

 

Endereço para correspondência:

E-mail: tavares.tathiana@gmail.com

 

Resumo

O objetivo desta revisão bibliográfica é mostrar a importância do pediatra na percepção precoce dos transtornos mentais na infância e na adolescência,pois o maior custo da saúde pública continua sendo com internações psiquiátricas.A reforma psiquiátrica propos a criação de uma rede substitutiva ao antigo modelo dos hospitais psiquiátricos, na tentativa de inserir estes pacientes no convívio social e familiar. Uma das principais apostas do SUS para tratamento infanto- juvenil é o Centro de Atenção Psicossocial Infantil(CAPSI).Ainda é um desafio precisar a demanda infanto-juvenil em termos de transtornos mentais,pois são falhas as estatísticas e registros dessas patologias.A maioria dos estudos, pesquisas, políticas e práticas de atenção à saúde mental são voltadas para os adultos. Estima-se que de 10 a 20 % das crianças e adolescentes sofram de distúrbios mentais, sendo leves a graves.As causas para estes transtornos mentais são genéticas e ambientais. Nesse contexto o papel do pediatra é perceber, preferencialmente em fase precoce, os transtornos mentais. E por-que o pediatra? Porque é ele quem tem o primeiro contato com o paciente, acompanha o desenvolvimento psíquico da criança e tem a família próxima à sua investigação semiológica.

Palavras-chave: Pediatria,Transtorno mental


Abstract

The purpose of this review is to show the importance of pediatricians in early perception of mental disorders in childhood and adolescence, because the higher cost of public health remains with admissions of psychiatric.A psychiatric reform proposed the creation of a network substitute the old model of psychiatric hospitals in an attempt to insert these patients in social and family life.A major stakes in Brazil for the juvenile treatment is Psychosocial Child Care Center (CAPS). It is still a need to challenge the demand for children and youth in terms of mental disorders, are flawed because the statistics and records of these pathologies. Most studies, research, policy and practice of mental health care are geared for adults. It is estimated that 10-20% of children and adolescents suffer from mental disorders, mild to severe.The causes for these mental disorders are genetic and environmental factors. In this context the role of the pediatrician is to realize, preferably at an early stage, the mental disorders.And why the pediatrician?Because he is the one who has the first contact with the patient follows the psychological development of children and has family near his semiotic investigation.

Keywords: Pediatrics, Mental disorders

 

1 INTRODUÇÃO

O objetivo desta revisão bibliográfica é mostrar como foi a evolução da política de saúde mental infantil e principalmente a importância do pediatra na percepção precoce dos transtornos mentais na infância e na adolescência .

1.1 Como estamos em termos de políticas de saúde mental infanto-juvenil?

No Brasil, a lei 10.216/02 rege a Política Nacional de Saúde Mental. Esta política busca aliar assistência médica, reinserção social, serviços residenciais terapêuticos, diminuição nas internações em hospitais psiquiátricos, apoio aos familiares[i],[ii],[iii],[iv].

A reforma psiquiátrica brasileira propôs, como forma estratégica na tentativa de organizar uma rede substitutiva ao hospital psiquiátrico no país, os centros de atenção psicossocial (CAPS) e no caso de crianças e adolescentes os centros infantis (CAPSI). Esses centros tem a função de prestar atendimento clínico diário aos pacientes, na tentativa de diminuir internações, inserí-los no contexto social regulando as portas de entrada ao atendimento na área de saúde mental, dando suporte à atenção básica no município em que se encontra. Na verdade, esses serviços não são complementos ao ho spital psiquiátrico e sim substitutivos2,6,[i],[ii] . A institucionalização feita anteriormente a esta re-forma era algo excludente e não tentava socializar o paciente2,[iii],[iv].

O CAPS e o CAPSI são serviços de saúde municipais, comunitários e que oferecem atendimento diário às pessoas com transtornos mentais severos e persistentes e a reinserção social destes, tentando adequar-se a realidade sociocultural de cada região. Os profissionais devem entender o perfil populacional daquele município para planejar a rede a atenção à saúde mental e implementar então os centros de atenção psicossocial2,4,6.

No Brasil a precariedade de informações sobre a demanda infantil em serviços de saúde mental dificulta o conhecimento do perfil epidemiológico dos transtornos mentais infanto-juvenis, presentes na rede pública de atenção, dificultando ainda mais a organização do CAPSI. O atual panorama de reorganização da assistência pública proposto com a reforma psiquiátrica brasileira, onde se inclui a tarefa de disponibilizar um cuidado adequado à população infanto-juvenil, exige informações que auxiliem no diagnóstico dessas patologias mentais Estudos epidemiológicos brasileiros têm revelado prevalência de desordens psiquiátricas de 10% a 20%, no grupo etário entre 5 e 14 anos5,[i],[ii],[iii],[iv],

Assim, é necessário garantir o atendimento aos casos mais graves, sem precisar recorrer aos equipamentos hospitalares tradicionais, dando autonomia aos municípios para o cuidado efetivo em saúde mental de forma eficiente, proporcionando isto a todos os que dele necessitem, próximo a seu meio cultural e social, a seu cotidiano6.

É um desafio ainda maior garantir esse modelo de atendimento aos pacientes infanto-juvenis, devido a ausência de registros sobre a demanda em saúde mental assistida em serviços ambulatoriais,o que contribui para a falta de planejamento.1,11.

Dados no Ministério da Saúde revelam que 12% da população necessitam de alguma atenção em saúde mental contínua ou eventual e 2,3% do orçamento anual do SUS é destinado para a saúde mental[i].

Sabe-se que a maioria dos estudos, pesquisas, políticas e práticas atenção à saúde mental é voltada para os adultos. As ações voltadas para a infância e juventude continuam em pequeno número. Em função disso é difícil precisar a incidência real, os distúrbios mentais mais prevalentes e saber para onde encaminhar cada paciente para tratamento quando há indicação para isto. Se houvessem mais dados sobre esta questão, o número de adultos com distúrbios talvez pudesse diminuir, pois a atuação precoce melhora significativamente a qualidade de vida7,[i].

1.2 Passado de institucionalização e a Reforma Psiquiátrica

O tratamento no Brasil ,no século XIX,para os portadores de transtornos mentais era a institucionalização, ou seja, internação em hospitais psiquiátricos especializados em sua maioria. Além disto, esta realidade sempre se deu em municípios de maior porte e melhor renda, fazendo com que vários outros ficassem desassistidos14.

Na análise de dados psiquiátricos sobre assistência de crianças nos séculos XIX e XX, observa-se que estes pacientes quando nasciam em situação de pobreza e/ou em famílias de baixa renda o Estado encaminhava, na grande maioria das vezes, para instituições, como se fossem órfãs ou abandonadas. A institucionalização constituía-se como uma alternativa às famílias pobres, que viam nesse padrão de tratamento uma forma de que seus filhos tivessem alimentação, segurança e acesso à educação1,8,[i].

Só bem depois, em 1988 , os governantes do Brasil, impulsionados por outras mudanças na mentalidade mundial pela superação da violência asilar, passaram a questionar esta forma excludente de tratamento e a estabelecer a implantação de novas políticas na área da saúde, atingindo consequentemente a política de saúde mental14.

Na segunda metade do século XX a institucionalização para pacientes de famílias ricas cai em desuso, e a internação praticamente desaparece no Brasil. Porém para os menos favorecidos economicamente o modelo de internato continua. E essas mudanças são ainda mais lentas e difíceis se considerarmos infratores penais8.

O ano de 1978 é identificado como o real início de mudança e luta pelos direitos sociais destes pacientes psiquiátricos, através de denúncias de violência em manicômios, da comercialização da loucura, do grande ganho monetário por diversas instituições privadas especializadas do cuidado mental. Na Itália[1] já instituia-se a crítica à institucionalização e criava-se uma nova forma de cuidado mental na tentativa de inclusão social destes pacientes e também de seus familiares[i].

São contemporâneos, da década de 70, os movimentos de Reforma Sanitária e o início da Reforma Psiquiátrica no Brasil, buscando melhoria da atenção ao paciente, da qualidade no atendimento médico e busca do cuidado amplo17.

No ano de 1978 acontece no Brasil a I Conferência Nacional de Saúde Mental na cidade do Rio de Janeiro, com o lema "Por uma sociedade sem manicômios". Cria-se então em 1987 o primeiro centro de atenção psicossocial (CAPS) e o núcleo de atenção psicossocial (NAPS) no país, que abrem as portas para a possibilidade de mudança neste cuidar com redução gradual das internações hospitalares17.

No ano de 1992 inspirada pelo projeto de Lei Paulo Delgado (só sancionada em 2001) ocorre a progressiva substituição em todo o país dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental17.

Dados no Ministério da Saúde conferem que o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica, o Programa de Volta para Casa e a expansão de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial e as Residências Terapêuticas vem conseguindo reduzir um grande número de leitos psiquiátricos no Brasil e o fechamento de vários hospitais psiquiátricos17.

Para crianças e adolescentes portadores de distúrbios psiquiátricos essa mudança materializou-se com o Fórum Nacional de Saúde Mental em 2001, que consolidou as redes de serviços para fazerem frente aos diversos problemas dessa faixa etária. Isto representou, sem dúvida, a troca do isolamento para a participação do paciente no contexto familiar, comunitário e socia18,17.

Hoje é constatado mundialmente que o atendimento institucional é caro e ineficaz, gerando um ônus de até seis vezes maior para o Estado se comparado às formas de apoio à família no cuidado dos filhos8

1.3 Estatuto da Infância e da adolescência como forma de inclusão

O estatuto da criança e do adolescente foi criado com o objetivo de proteção integral através da lei 8.069 no dia 13 de julho de 1990. Engloba crianças até 12 anos e adolescentes com 12 anos completos a 18 anos incompletos[i].

O estatuto pode ser dividido em duas partes, onde o primeiro aborda a proteção dos direitos fundamentais da pessoa em desenvolvimento e a segunda parte sobre os órgãos e procedimentos protetivos18.

Pode-se dizer que o estatuto inaugurou no Brasil uma nova fase, incluindo essa faixa etária em uma forma completamente nova de perceber e tratar essas crianças e adolescentes. Essa nova fase da política brasileira diminuiu a criação e proliferação de grandes abrigos e internatos, diminuindo a violação dos direitos humanos, passando a tratar esses sujeitos sem distinção de raça, classe social e a considerar sua condição de pessoas em desenvolvimento18.

Nessa perspectiva o estatuto colabora com a inclusão das crianças portadoras de transtornos mentais como alvo de políticas de saúde mental voltada para essa faixa etária, algo que antes não era feito, pois só se pensava em direitos e deveres do Estado para adultos[ii] [iii].

1.4 Políticas de Saúde Mental na infância e juventude

É função do SUS regularizar e organizar em todo o território nacional a rede de atenção à saúde mental brasileira, de forma regionalizada e hierarquizada, em níveis de complexidade crescente, garantindo os princípios de acesso universal e gratuidade às ações e serviços de saúde17.

Partindo desses princípios do SUS, a rede de atenção à saúde mental é composta por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS e CAPSI), Serviços Residenciais Terapêuticos (STR), Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Gerais17.

A estimativa do Ministério da Saúde é que 10 a 20% das crianças e adolescentes sofram de distúrbios mentais, sendo mais prevalentes os transtornos abrangentes do comportamento (autismo, síndrome de Rett, síndrome de Asperger, espectro autista), transtornos do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de ansiedade de separação, transtorno de ansiedade generalizada, depressão, esquizofrenia, anorexia, bulimia, uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas3,5,16,19.

O manual de saúde mental infanto-juvenil lançado pelo SUS (através da lei 10.216, de 06/04/2001) prevê que as portas de todos os serviços públicos de saúde mental desta faixa etária devem acolher estes pacientes, isto é, receber, ouvir e responder a demanda. O serviço não pode alegar lotação, inadequação de demanda e incapacidade técnica do serviço. O que rege hoje a política de saúde mental no setor é que estes serviços devem assumir a função social, extrapolando o cuidar técnico, melhorando a qualidade de vida da pessoa que sofre de transtorno mental, dando direito a ela de participação social na comunidade e construção de um sujeito pleno de deveres e de direitos8,17.

Pode-se definir o CAPSI como centro articulador (ordenador da rede e porta de entrada) de todo o cuidado na infância e juventude dos distúrbios psiquiátricos, como unidade de base da Reforma Psiquiátrica no Brasil no processo de substituição do manicômio nos últimos 15 anos. É um serviço de atenção diária, diurna e intensiva, um pólo de demandas daquele território em que se insere8,17.

A portaria nº 1947/GM de outubro de 2003 define o CAPSI como um serviço que deve ter a capacidade de dar cobertura assistencial a cerca de 200.000 habitantes, sendo resolutivo nesta cobertura assistencial. A clientela são crianças e adolescentes com transtornos mentais severos, tais como psicose infantil, autismo, deficiência mental como comorbidades psiquiátricas, uso prejudicial de álcool e outras drogas e neuroses graves6.

O CAPSI funciona durante cinco dias da semana, com capacidade para fazer o acompanhamento de cerca de 180 crianças e adolescentes por mês com uma equipe de profissionais de nível médio e superior17.

O CAPSI enfatiza as noções de acolhimento universal, o que significa que toda criança ou adolescente deverá ser acolhida, sem direito de alegação do serviço de que o mesmo encontra-se em superlotação, incapaz de resolver tal problema porque não se enquadra no perfil do serviço8.

Assim a resposta que o sistema dá ao paciente e família pode passar por diferentes caminhos: pode ocorrer admissão para tratamento naquele serviço; espera para atendimento naquele mesmo serviço, porém em outro momento; encaminhamento para outros serviços; ou mesmo o próprio CAPSI pode se dirigir a quem mandou este paciente para intervir junto a este estabelecimento para desconstruir a demanda do tratamento. Para este último caminho de intervenção no estabelecimento, um exemplo clássico é a escola que não está preparada para lidar com um aluno diferente dos demais no comportamento e vê no CAPSI uma forma de se esquivar do aluno problema, passando o problema para o tratamento e adequação deste paciente aos modos da instituição que frequenta. O CAPSI deve neste caso orientar a escola a se preparar para lidar com as diferenças em sala de aula, pois a grande maioria dessas demandas não são pacientes com transtornos mentais8.

Este fato pode ocorrer com o pediatra também, que recebe o paciente encaminhado para ele da escola, com transtornos de comportamento (é um aluno diferente dos demais) ou mesmo diagnostica o problema em seu consultório e sem saber como conduzir a situação dirige-se ao CAPSI como forma de resolver o paciente "problema". Mas se esquece que é ele quem deve dar assistência a esse paciente em outras questões, como infecções, traumas, ou mesmo acompanhar a melhora no campo psíquico.

É também tarefa do CAPSI, como pólo de logística no cuidado, articular-se com ambulatórios do território que se insere. Sabe-se que o CAPSI acolhe demandas de transtornos mentais mais severos e os casos mais leves devem ser encaminhados aos ambulatórios de referência e também o seguimento desses casos mais graves quando adquirem melhora do quadro psíquico[i],[ii],[iii],8.

O CAPSI é o articulador do cuidado. Neste sentido, a integração entre o CAPSI e a Atenção Básica é fundamental. O PSF é um programa do governo federal de atenção básica à saúde inserido na comunidade. A saúde mental na Atenção Primária (Programa Saúde da Família), por sua proximidade com as famílias e a comunidade, é estratégico para diminuir o sofrimento psíquico desses pacientes. A unidade básica de saúde é potencialmente apta a desenvolver ações de saúde mental, detectando queixas relacionadas ao sofrimento psíquico e oferecendo tratamento quando necessário, seja na própria unidade ou encaminhando para serviços especializados12,17,[iv],[v].

O quadro a seguir refere-se a uma pesquisa realizada com pediatras que prestam assistência em unidades básicas de saúde na tentativa de ampliar o entendimento e apontar possíveis direções na assistência à saúde mental nessas unidades. Foram apontados o referencial teórico de cada profissional entrevistado, a causalidade dos transtornos mentais (e nisso aponta-se claramente a percepção do meio ambiente pelo pediatra como fator de risco para o desenvolvimento do transtorno mental infantil), quando se desconfia de algo que foge dos padrões de comportamento. Entende-se referencial teórico como a formação acadêmica e a experiência profissional. Esta pesquisa foi realizada através de questionários aplicados pelos pesquisadores Tanaka OY, Ribeiro EL, em 2009.

 

 

Muitas vezes o médico e, especialmente o pediatra não valoriza a queixa na tentativa de não colocar rótulos nos pacientes ou pouco reconhece o transtorno mental na infância e adolescência. Os próprios pais podem contribuir para que isso aconteça, pois pouco se queixam dos problemas comportamentais e emocionais de seus filhos com os pediatras12,23.

A falta de reconhecimento do transtorno mental pelo pediatra é devida ao próprio processo da consulta médica, centrado em achados de sinais e sintomas que devem ser confirmados ao exame físico ou em exames laboratoriais que complementam a investigação. A maioria dos pediatras não tem em sua formação acadêmica oportunidade de discutir temas e vivenciar problemas de ordem mental infanto-juvenil[1]*, não dominando instrumentos claros de como intervir nessas questões12,24

 

2 DISCUSSÃO

Metodologia

Este trabalho foi realizado a partir de uma monografia de conclusão de curso (graduação em medicina na Universidade do Grande Rio - Unigranrio ), na qual buscou-se mostrar a evolução da criança e do adolescente no contexto da preocupação política na saúde mental e a importância do pediatra no diagnóstico precoce do transtorno mental infantil. Através de revisão bibliográfica, foram selecionados artigos sobre Reforma Psiquiátrica, política de saúde mental, Estatuto da Criança e do Adolescente, papel do pediatra no diagnóstico precoce do transtorno mental. Excluiu-se características diagnósticas de transtornos mentais, pois o objetivo não era descrever como se realiza o diagnóstico específico de cada doença mental infanto-juvenil. Utilizou-se como descritores: transtorno mental infantil , reforma psiquiátrica; CAPS, CAPSI.

2.1 O pediatra e o desenvolvimento infantil

É o pediatra que conhece e acompanha as especificidades próprias de cada etapa do desenvolvimento que a criança se insere. Esse desenvolvimento pode ser entendido como a capacidade do ser humano em adquirir condições para realizar atividades cada vez mais elaboradas. A consulta pediátrica é composta por diversas fases, ou seja, desde a entrada do paciente com seus familiares na sala do consultório até a observação do modo com ela brinca, demonstra afeto e o humor. Este primeiro contato requer do profissional habilidade e sensibilidade afim de estabelecer uma boa relação médico-paciente, pois isso determinará o sucesso ou o fracasso no diagnóstico precoce dos distúrbios mentais24,25.

A realização de uma anamnese e exame físico da criança e do adolescente requer paciência, tolerância e conhecimento teóricos do que cada idade é capaz de realizar em termos do seu desenvolvimento mental. E é este olhar do pediatra que se volta na observação para a obtenção das informações através da própria criança ou adolescente25.

A percepção dos transtornos mentais em crianças e adolescentes é tão desafiadora que vai além da identificação de transtornos mentais nos adultos. Isso de deve ao fato da criança estar em um período de desenvolvimento, no qual é limitada a capacidade de mostrar seu desconforto psíquico, seus problemas emocionais e acabam transferindo isso para um comportamento que foge dos padrões. O olhar competente para com essa faixa etária é uma demanda na sociedade e o pediatra é importante nessa avaliação cuidadosa e abrangente13,[i],[ii].

A família é fundamental na coleta de todos os dados da anamnese, pois é quem facilita o contato com o paciente e aumenta a confiabilidade daquele momento. Em se tratando dos adolescentes existe uma séria discussão se a primeira consulta deverá ser feita com ou sem a presença dos pais, mas a maioria dos especialistas desta área afirma que aumenta-se a confiança no profissional pelo adolescente se este for atendido em algum momento da consulta sem a presença dos pais25.

Como então, realizar a avaliação psíquica e como ele se inicia? Inicia-se desde a entrada do paciente ao consultório, a aparência, vestimenta, sinais de agressão física, lesões de pele, atitude realizadas na ectoscopia. Progredindo-se para os demais itens semiológicos como orientação, atenção, concentração, linguagem, fala. Estes dados podem ser avaliados em crianças menores de 6 anos através de um desenho, atuando como facilitador da comunicação, pois também se avalia a questão do lúdico infantil. Estes itens a serem observados são importantes na avaliação da saúde mental infantil24,25.

Um item muito valioso da semiologia infantil é a atividade motora, as alterações podem ou não ser sutis. Pode-se observar a presença de tiques, movimentos estereotipados, manias, inquietude, curiosidade excessiva e também tremores24,25.

O afeto é um item fácil de ser avaliado, pois diferente dos adultos, as crianças não escondem a afeição, amor e simpatia. E se o pediatra conseguir uma boa relação médico-paciente ocorrerá maior facilidade para a expressão dos sentimentos e do humor24,25.

O item considerado mais difícil é a avaliação do pensamento, pois é próprio da idade o ser lúdico, inventar histórias, fantasiar situações. No adolescente isso é avaliado semelhantemente a um adulto24,25.

Importante dizer que esses passos devem ser realizados em cada consulta, pois em medicina tudo é muito mutável, ainda mais se estamos tratando de pacientes em desenvolvimento25.

2.2 O pediatra e a percepção dos transtornos mentais na infância

É cada vez mais necessária e importante a percepção dos transtornos mentais na infância, pois é preocupante a falta de serviços especializados, designando-se muitas vezes então para o pediatra a função de atenção às crianças brasileiras na área de saúde mental9,15,26.

Para a classificação dos transtornos mentais as principais fontes de referência são o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSMIV) e a Associação Americana de Deficiência Mental (AAMR). Esta última para quando predomina deficiência mental do tipo retardo mental, baixo QI (funcionamento intelectual reduzido em relação à média), entre outros1,16,23.

O trabalho do pediatra passa pela necessidade de adequar seu olhar para a identificação precoce dos problemas mentais e valorizar as queixas dos pacientes, da família, da creche, da escola. Em contrapartida é notório que muitos pais usualmente não levam ao consultório pediátrico queixas relacionadas a essa área por não identificarem como uma questão médica15.

Muitas causas de transtornos mentais são mutáveis, pois os fatores ambientais são fonte dos distúrbios emocionais e influenciam muito mais do que os fatores de risco genéticos, intrínsecos do indivíduo. Então esse olhar na consulta pediátrica deve ser voltado para o atendimento e à promoção da saúde infantil e juvenil. E porque o pediatra? Porque é ele quem tem todo o "filme"[1]* da vida da criança,sabendo detectar mudanças não adequadas para aquela faixa etária[i],[ii].

O início desses distúrbios provêm na maioria das vezes de falhas no desenvolvimento dessa criança e possuem multicausalidades. Essas várias causas podem ser de ordem: cognitiva, emocional, afetivo, negligência,abuso físico ou psicológico, maus tratos, falta ou inadequação de estímulo. Em suma os principais fatores de risco ambientais são:

1. discórdia marital severa,

2. família numerosa,

3. renda familiar,

4. psicopatia de pelo menos um dos pais,

5. nível de relação entre mãe-filho,

6. estresse fetal,

7. PIG,

8. toxemia,

9. álcool e/ou fumo na gravidez,

10. prematuridade.

E podem acompanhar o indivíduo por toda a vida, muitas vezes se manifestando somente da vida adulta27,28,29.

Segundo estudos realizados por Halpern (2004), as intervenções do pediatra possuem maior impacto quando feitas até o terceiro ano de vida e uma das melhores intervenções é o incentivo ao aleitamento materno. Isso se deve ao fato que as aquisições neurológicas e mentais nessa época do desenvolvimento humano acontecem de forma muito intensa e rápida28,29.

O aleitamento materno estabelece uma conexão entre mãe e filho que supera qualquer outra interação. Na verdade ainda não se tem ao certo a relação do leite em si com o desenvolvimento cognitivo. Mas já se sabe que o binômio mãe-filho é indício de início seguro para a saúde mental infantil28,29.

O vínculo que a criança estabelece com a mãe ou com a cuidadora nos casos que a mãe não é a cuidadora, é fundamental para o estabelecimento da construção da criança como sujeito, ser relacional, o desenvolvimento do olhar, do sorriso e do estranhamento23,28,29.

Nesse sentido as consultas de puericultura são modelos precoces de intervenção, pois possibilitam acompanhamento periódico, educação para a saúde e treinamento dos pais para perceber mudanças no desenvolvimento infantil29.

Os pediatras conseguem esse acompanhamento do desenvolvimento mental, pois realizam consultas periódicas e avaliam a construção dos marcos do desenvolvimento, crescimento ponderoestatural, conquistas de habilidades cognitivas e comportamentais. Isso é o instrumento de avaliação para o profissional perceber quando uma criança possui problemas do desenvolvimento23,24.

 

3 CONCLUSÃO:

É recente a inclusão da criança como objeto de preocupação na saúde mental. Um dos principais fatos que contribuiu para essa mudança foi a reforma psiquiátrica e a criação do estatuto da criança e do adolescente como detentor de direitos e deveres perante o estado brasileiro.

A OMS prevê até o fim da próxima década uma incidência mundial de 50% de transtornos de ordem mental na população mundial (em todas as faixas etárias), sejam eles classificados como leves ou que tragam prejuízo social, econômico ao paciente.

E é nesse contexto que esta revisão bibliográfica tem seu objeto de estudo, pois é na infância que muitos distúrbios podem ser identificados e a precocidade desse diagnóstico é fundamental para a melhoria da qualidade de vida desse paciente.

O incentivo na formação acadêmica, de se preocupar com a saúde mental infantil deve ocorrer, uma vez que a infância continua desamparada e desassistida em nosso país, mesmo em vigência da enorme demanda na área de saúde mental. Esse crescimento de interesse por esta área da saúde infantil deve-se caminhar lado a lado com o cotidiano pediátrico, pois através de consultas periódicas com o pediatra, o paciente portador de transtorno mental terá sua porta de entrada para a resolução e/ou amenização das patologias psiquiátricas na infância.

Em função disso é essencial a atuação do pediatra, estando atento e preparado para atuar no diagnóstico do transtorno mental. Se esse diagnóstico for feito de maneira precoce, muito pode ser fazer para a melhoria da qualidade de vida dessas crianças e em casos de doenças mentais de origem genética o encaminhamento desses pais para o aconselhamento genético.

 

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23 Revista Brasileira de psiquiatria,dados epidemiológicos em psiquiatria infantil: orientando políticas de saúde mental, 2002;24(4):162-3

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27 GRILLO, E; DA SILVA, RJM.Manifestações precoces dos transtornos do comportamento na criança e no adolescente. Vol. 80, Nº 2 (supl), 2004. Jornal de Pediatria.

28 HALPERN, R. Influências ambientais na saúde mental da criança.Jornal de Pediatria-vol.80, nº2 (supl), 2004.

29 HALPERN,R; FIGUEIRAS, ACM. Influências ambientais na saúde mental. Jornal de Pediatria-vol.80, Nº2 (supl), 2004

30 TANAKA, Oswaldo Yoshimi; RIBEIRO, Edith Lauridsen. Ações de saúde mental na atenção básica: caminho para ampliação da integralidade da atenção. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n., Apr. 2009

31 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2005

 

 

I A reforma psiquiátrica italiana,instituída na década de 70 pelo psiquiatra Franco Basaglia,influenciou fortemente importantes modificações implementadas no mundo todo em relação á assistência ao paciente psiquiátrico. A Lei Franco Basaglia,instituída em 1978 e vigente até hoje,implementa a questão da inclusão social do portador de transtorno mental,promovendo a substituição do tratamento hospitalar por uma rede territorial de assistência (serviços comunitários, emergências psiquiátricas em hospital geral, cooperativa de trabalho). Suas idéias se constituíram em algumas das principais influências para o movimento pela Reforma Psiquiátrica Brasileira

[1] Na Universidade do Grande Rio em Duque de Caxias- RJ, os alunos da graduação de medicina possuem em sua grade curricular o "Clinicando", cuja dinâmica consiste em discutir, refletir e vivenciar através de estratégias pedagógicas problematizadoras, como a dramatização, as diversas situações . Esta estratégia permite e facilita a percepção do futuro médico para as questões do transtorno mental infantil.

[1] No 34º Congresso Brasileiro de Pediatria (nos dias 8 à 12 de outubro de 2009,em Brasília-DF) o palestrante Ricardo Halpern usou essa expressão para dizer que o pediatra é quem acompanha a vida da criança, seus marcos de desenvolvimento, suas doenças, suas aquisições.

[2] Na Universidade do Grande Rio em Duque de Caxias- RJ, os alunos da graduação de medicina possuem em sua grade curricular o "Clinicando", cuja dinâmica consiste em discutir, refletir e vivenciar através de estratégias pedagógicas problematizadoras, como a dramatização, as diversas situações . Esta estratégia permite e facilita a percepção do futuro médico para as questões do transtorno mental infantil.

[3] No 34º Congresso Brasileiro de Pediatria (nos dias 8 à 12 de outubro de 2009,em Brasília-DF) o palestrante Ricardo Halpern usou essa expressão para dizer que o pediatra é quem acompanha a vida da criança,seus marcos de desenvolvimento, suas doenças, suas aquisições.